Um homem perdido entre o machismo e a timidez de afirmar a sua posição

in #pt7 years ago

Um homem perdido entre o machismo e a timidez de afirmar a sua posição

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Voltou a acontecer.

Eu, homem, voltei a estar numa situação em que outro homem me confrontou com o machismo de algibeira e cumplicidade que todos conhecemos.

Foi num contexto profissional, tratando-se de um homem simpático, generoso, afável – claro que sim, porque se fosse uma pessoa horrível não serial difícil virar-lhe as costas.
O comentário foi súbtil, a testar terreno.
Eu: ignorei, porque não havia nada de objetivamente errado. Mas dava para pressentir uma intenção provocativa.
Ele: insistiu e desenvolveu, entrando, numa linguagem machista, sexista, nada relacionada com o trabalho.
Eu: não alinhei, mas a meu ver falhei em pôr fim à situação. Senti-me desconfortável, atrapalhei-me, desviei o olhar. No fundo, era como se eu é que tivesse agido erradamente e cedi-lhe o poder de decidir se a conversa continuava ou não.

Porquê?
Porquê este tipo de situação e a minha reacção, ambas recorrentes?

Porque desde pequeno – um pouco por todo o lado, com a clara exceção da minha família – me foi dado a perceber que é suposto nós homens falarmos de (e com) mulheres de certa forma, tratá-las como objetos, apenas mostrando respeito na sua presença, como uma máscara que até mesmo elas sabem ser falsa. Porque me foi dado a perceber que só era homem a sério quem se tratasse as mulheres assim, e fosse homofóbico, às vezes até racista – só agora me apercebo que essa camaradagem de macho se baseava na demonstração de poder que era o orgulho de pertencer ao grupo que estava no topo da pirâmide e reprimia.
E ainda porque me foi dado a perceber que se não o fazia era porque havia algo de errado comigo, porque era sensível, enfemininado, "um maricas". Ensinaram-me que contrariar essa cumplicidade entre "homens a sério" era ser traidor. Enquanto que alinhar era estabelecer um elo de camaradagem.

E assim aprendi que aquilo que achava certo era errado.
Não deixei de sentir que era errado falar e tratar as mulheres de certa forma, mas aprendi que o mais que podia fazer era não participar, era ficar calado na esperança que a conversa chegasse ao fim. Era engolir as palavras de contrariedade que queria gritar.
Hoje sei que tomar posição pelos valores em que acreditamos é ser corajoso e forte, mas na altura as coisas pareciam diferentes.
Aprender a agir e viver de tal maneira mexe com uma pessoa. Destrói coisas importantes em nós. Cria culpa e medo. Faz-nos sentir como um traidor disfarçado, num mundo às avessas, sempre com medo de ser desmascarado e ser posto de lado. Tira-nos a voz.

Isto não é Man-bashing. Até porque obviamente nem todos os homens se comportam assim quando estão entre si. Eu nem diria que é a maioria. O problema está justamente no facto de que, enquanto esse comportamento de opressão não for claramente contrariado, mesmo que a maioria não perticipe, pode ser transmitida a impressão de que é normal.
Quero afastar-me daquele estereótipo de: todos os homens são porcos, são assim ou assado. E quero salientar que o problema não é a camaradagem entre homens, porque ela pode ser uma coisa fantástica e sofre com toda esta questão.
Não é uma questão biológica, mas sim um fenómeno sistémico, que nos condiciona e controla.

Aliás, só me condicionou de forma tão profunda porque muitas mulheres participavam nele, ainda que inconscientemente, através da imagem que criavam do seu homem ideal, de como reagiam às opressões, sobretudo através dos namorados que escolhiam. Porque o que experienciei foi que, quem não era aceite pelos homens, as mulheres também não queriam. Elas podiam não concordar com grande parte do machismo, mas também eram condicionadas, também se viam limitadas às mesmas lógicas de condenar quem era diferente, quem defendia pontos de vista novos. Também me sabiam mostrar "o que era um homem a sério e o que não era".
Afinal de contas como podiriam ser diferentes as definições de "um homem a sério" se ambos, mulheres e homens, viviam no mesmo espaço, no mesmo tempo?

A grande parte desse condicionamento teve lugar há muitos anos. As coisas são diferentes agora. O papel da mulher e do homem mudaram. Mas o fenómeno subsiste. Nós homens apenas estamos mais confundidos, perdidos entre a "boa velha cumplicidade machista", as reinvidicações feministas que nos pressionam de todos os lados, a procura pelos nossos próprios ideais, e a capacidade ou incapacidade de agir por eles.

Sim, o fenómeno ainda existe, tanto que eu ainda me vejo atrapalhado em situações profissionais e noutras, como me via na escola, nas conversas entre gabarolas mentirosos que chamavam putas às raparigas, mas baixavam a voz quando falavam com elas, quando sonhavam com elas.

O fenómeno ainda existe, tanto que mesmo eu, um homem heterosexual, branco, em boa forma física – portanto em nada o alvo evidente de descriminação - nessas situações sinto uma culpa que em parte me impede de agir segundo os meus valores. E é por me sentir de tal modo prisioneiro e incapacitado de pensar e agir nesses momentos, tão roubado da minha liberdade de expressão, que é importante partilhá-los aqui.

Sort:  

Belas verdades tu dizes neste texto. Sou homem e digo-te que o mais detesto é ver homens machistas que pensam que ao dizer mal das mulheres ou fazer delas como um objecto são os melhores. Ser homem de verdade para mim é respeitar toda a gente sendo mulher ou homem. Para mim um homem machista é um bicho. Gostei da tua maneira de pensar. Obrigado!

fico feliz pelas tuas palavras e pelo texto ter chegado a ouvidos como os teus. Um obrigado e um abraço de volta

BRUTAL!!!!!! Obrigada pelas suas palavras!!! Uma reflexão brilhante!!!

Ótima reflexão! E difícil discutir a cultura machismo, assim como outros temas polêmicos como racismo, devido ao fato de que muitos como eu, foram criadas nela, e acaba sempre virando uma discussão pessoal. Além de ser bastante real, é uma cultura adoecedora. Porém ao mesmo tempo questionar essa cultura é um passo a frente, mostra que trazer essas discussões dão resultado. E que talvez estamos em um caminho melhor. Muitos não percebem, pois não sofrem as consequências do machismo, então tento fazer como você e em momentos oportunos como esse discutir o assunto. Quando discutimos um assunto polêmico, ainda mais com quem não consegue ver ainda, muitas vezes acaba tendo uma repercussão negativa e não ajuda as pessoas a verem essa dimensão. Parabéns pelo post!

Obrigado! É verdade, é um desafio encontrar o momento e as palavras para abordar o assunto, mas como dizes, vamos fazê-lo, porque é importante.

@pulsaraberto Acredito que muitos homens se sentiram e se assim como você! Pior são os que sofrem com tudo isso, seja por serem considerado depreciadamente como "maricas", por não serem "alfas", e ainda assim negam tudo isso em certas situações, principalmente quando de certa forma oprimem outras pessoas. Muito complexo tudo isso, bom ver que tem quem reconheça esses pontos e busque abordá-los. Aprendi muito lendo seu texto, me trouxe muitas reflexões, grato por isso!!

Obrigado pelas suas palavras Paulo, fico feliz

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