Alerta Vermelho é um espetáculo que abusa do artificial
Eu creio que seja impossível evitar qualquer grau de expectativa para com qualquer filme. Salvo exceções pessoais, como desconhecer qualquer nome envolvido com a obra (diretores, atriz/ator e até mesmo estúdios), a expectativa é irrefreável, em algum grau, de alguma forma. Veja, não digo determinante, mas inevitável. Por exemplo:
O que você esperaria de um filme que une nomes tão populares como Ryan Reynolds, Dwayne ‘The Rock’ Johnson e Gal Gadot?
O termo explosivo vem na minha mente. Eu não imaginaria esse trio num filme mais intimista, filosófico ou dramático. Imagino – assim como você? – um tipo de obra mais vigorosa, que justifique a presença de alguns dos atores e atriz mais bem pagos de Hollywood. Ação, velocidade, charme, humor, vibração... esses tipos de valores.
Alerta Vermelho cria expectativa. Naturalmente.
O público mais familiarizado com nomes de diretores/roteiristas talvez crie até um pouco mais ao saber que Rawson Marshall Thurber assume ambos os cargos. O diretor de filmes como Com a Bola Toda (2004), Família do Bagulho (2013), Um Espião e Meio (2016) e Arranha-Céu: Coragem Sem Limite (2018) costuma se entregar ao exagero enquanto brinca com seus respectivos gêneros. Consistência narrativa e personagens elaborados não fazem parte do repertório do diretor, mas isso não importa já que a forma como Marshall Thurber entrega seus filmes ao absurdo é apenas uma honesta escolha narrativa. É essa mesma escolha que permite e facilita a liberdade estilosa que suas câmeras por vezes entregam nos momentos de ação.
Por isso achei estranha minha sensação final após assistir Alerta Vermelho, já que de muitas maneiras minhas expectativas foram cumpridas: o filme entrega estilo, ação, charme, beleza, humor... . Mas mesmo assim não senti nada próximo do que imaginei ao clicar no novo e filme de maior estreia da história da Netflix.
Por quê?
Pensei que talvez o problema fosse justamente o excesso de expectativa, mas conforme eu pensava sobre o filme – além daquilo que fui identificando ao longo da história de assalto – eu percebia uma dissonância entre o roteiro e a direção.
Caso você conheça o trabalho de Marshall Thurber, é possível perceber que seus filmes começam sempre de uma maneira bastante direta: a exposição é uma ferramenta que o diretor utiliza com alguma criatividade. Ele a incorpora no filme e a extrapola.Ou seja, ele a assume, reconhece e brinca com ela. Não se trata de uma novidade, mas de uma escolha que, dentre outros efeitos perceptíveis, ajuda a definir o tom da obra.
A forma da exposição do filme elabora uma premissa objetiva e direta, cujo foco é naturalmente guiado pela câmera ágil do diretor. Logo na abertura há um plano longo cheio de estilo e dinâmica, que ajuda a construir e definir um dos personagens principais, o detetive da CIA John Hartley (Dwayne Johnson), em toda sua imponência magnânima – se você assistiu ao filme imagino que irá concordar com o pleonasmo.
Em termos de ação, a direção entrega um filme visualmente “legal”. “Cool” é o termo mais adequado e claramente o desejo do filme – a trilha sonora que o diga (não achei ruim, mas chamativa). O filme, porém, se estabelece sobre outro gênero, que o filme de assalto. E parece ser aí que o ruído começa a acontecer.
Não é um problema com o gênero, que se mantém suficientemente misterioso até o plot twist final. É mais como o filme lida com seus personagens. Além do detetive Hartley, Nolan Booth (Ryan Reynolds) e Sarah Black (Gal Gadot), ambos os maiores ladrões de arte do mundo. O que esperar desses personagens além da ação e carisma? O filme responde: problemas com pai.
Há uma estranha conexão entre praticamente todos os personagens principais do filme: o trauma por um pai horrível. Cada um a sua maneira, são personagens cujos atos são reflexos dos traumas clara e constantemente nomeados. Uma piada, pensei, já que há momentos cômicos com isso (ao mesmo tempo em que Marshall Thurber tenta refrescar alguns clichês, em outros ele se entrega de maneira plena, como quando o zoom dramático, deslocado do estilo geral, antecipa o punchline da piada onde Reynolds expõe seu trauma paterno). Só que a repetição não é o que faz a piada funcionar, ou se manter “nova”. Diante uma piada que sugere algum tipo de profundidade dramática, mas que não passa de uma piada, o resultado final é uma revelação que não ajuda: o filme é oco.
São minutos consideráveis gastos nessas “piadas”, que sugerem aspectos dos personagens que não passam muito de desvios de atenção ou pretextos para algumas escolhas bem estranhas, como o fetiche do vilão Sotto Voce (Chris Diamantopoulos, assumindo todo o clichê do personagem). E por falar em minutos a mais, a montagem da dupla Julian Clarke e Michael L. Sale adiciona tempo desnecessário ao explicar planos cuja elipse já era óbvia o suficiente.
A artificialidade narrativa e do mise en scène (como nos muitos CGIs bastante evidentes, carregados de um soft focus para “disfarçar”) não favorece o espetáculo. As conveniências do roteiro, numerosas, não estabelecem em momento algum uma jornada de assalto realmente elaborada, mas a aparência de uma. Um cinema de espetáculo que deixa claro sua artificialidade. Não me parece uma boa combinação.
Ryan Reynolds segura o filme. Além do seu enorme carisma há o timing cômico. A metralhadora de referências e ironias acerta a piada com frequência, principalmente quando ele brinca com o bromance inerente entre ele e The Rock. Mas não ajuda o fato de Dwayne Johnson ser seu parceiro.
Junto com Gal Gadot, Johnson só consegue entregar carisma – e até certo ponto porque a sisudez do seu personagem vira e mexe entra em conflito com jocosidade de Reynolds (e não é um conflito positivo, da trama).
Não basta que Gadot e Johnson possuam qualidade cênica limitada (isso não é um segredo), mas a escalação deles cumpre um objetivo bem claro que é o espetáculo. Porém, isso não diminui a necessidade do roteiro em elaborar personagens reais. Não em termos de complexidade e profundidade humana, mas dota-los de algo além do seu próprio objetivo. Enquanto a jornada de Reynolds é aprender a ser relacionar (uma escolha simples e funcional), a de Gadot e Johnson é apenas o macguffin. Ou seja, estão mais para dispositivos do que personagens.
Oco.
Não que não seja uma boa aparência, é. Alerta Vermelho diverte por vezes. Há bons momentos de ação, principalmente quando a câmera faz um parkour através da profundidade de campo, ou as piadas de Reynolds. Mas essa diversão é exclusivamente momentânea. Nos momentos em que ela respira e dá espaço para a “história”, o que temos são personagens carismáticos e nada mais.
O assalto – cuja reviravolta final parece fornecida Heistotron – é um detalhe secundário, apenas uma justificativa para reunir nomes de tamanho peso numa trama moldada para explorar o carisma popular de seus astros. As reviravoltas não soam naturais. Na maior delas, a irrealidade explícita (que evidencia a manipulação da obra) atrapalha o envolvimento. Embora os personagens fiquem devendo na hora da “profundidade” e conexão emocional, o problema maior é o roteiro que em momento algum se preocupou em dar substância à trama de assalto. Ela é carregada de tantos maniqueísmos e coincidências que o senso de imediatismo e o improviso perdem vigor já que tudo funciona na conveniência da necessidade dos personagens.
Minha expectativa era de um filme explosivo e divertido. Em alguns momentos essa expectativa foi alcançada. Alerta Vermelho não é uma bomba. Tem um blockbuster legalzinho ali no meio. Só que legalzinho não é o suficiente para uma promessa dessas.
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