A importância das estórias e do mito

in #pt7 years ago

Pretendo falar bem brevemente sobre a importância dos mitos e das estórias dentro da Psicologia e como influenciam em nossa vida.

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Moose Tour por John Bauer

Ando lendo Estudos de Psicologia Arquetípica, de James Hillman e o livro tem me garantido muitas reflexões interessantes. Ele já iniciou oferecendo valiosos pensamentos sobre a importância da estória na vida humana desde a infância, cedendo uma perspectiva sobre a razão de sua utilidade em nosso âmbito cultural.

Diz ele que é terapêutico por si e bom para a alma conhecer as estórias. Elas agem sobre o lado imaginativo da personalidade e, quanto mais experimentado e afinado este for, menos ameaçadores serão para a sua integridade os elementos irracionais e menor será a necessidade de repressão de conteúdos, características que acabam por resultar na menor ocorrência de patologias reais na vida diária. A mesma coisa se aplica na relação mantida com o mundo dos sonhos; o envolvimento com a estória, com o faz-de-conta ajuda a compreender um pouco mais essa narrativa confusa e onírica.

Mas a que estórias James Hillman se refere? Ele opta pelas antigas e tradicionais que fazem parte da nossa cultura: os mitos gregos, romanos, celtas e nórdicos, as lendas e relatos folclóricos. Ele inclui a Bíblia na lista também, o que pode ser malvisto por alguns, entendo, mas aqui devemos nos ater à noção de mito também como o que fala do que é sagrado e que leva o homem a imaginar (acessar o mundo das imagens). Recomenda também que as estórias tenham o mínimo possível de marketing moderno, ou seja, que não sofram interferências do racionalismo atual, que vai contra a natureza daquelas estórias. Segundo ele, as mencionadas narrativas são todas fundamentais na nossa cultura ocidental e, tendo nós ou não ancestrais celtas, nórdicos ou gregos, elas atuam de alguma forma em nossas psiques.

Segundo o autor, à criança não é necessário convencer do valor da estória. É o adulto que perdeu a ligação com ela, pois foi colocado numa oposição à criança. Enquanto a infância implica em deslumbramento, imaginação e espontaneidade criativa, a vida adulta implicaria na perda dessas características. Por isso ele propõe re-estoriar o adulto. Platônicos de outros tempos e também Carl G. Jung nos tempos recentes apontaram justamente que os mitos têm valores terapêuticos que podem ordenar os aspectos caóticos e fragmentários da fantasia.

Essa opinião segue o pensamento de que os mitos carregam consigo estruturas universais que dizem respeito ao humano, ao drama da existência e que são símbolos de conteúdos profundos do inconsciente. Ao nos inteirarmos de seu caráter externo, adaptando-nos à ficção de suas narrativas, estamos nos ligando com o inconsciente humano e nos preparando para lidar com situações de ameaça psicológica ou de dificuldades gerais comuns a todos nós. Como exemplo, pode-se citar o mito do Santo Graal que é entendido por Robert A. Johnson como uma chave da psique masculina. O mito trabalharia ali todos os conceitos da individuação e maturação do homem, representado pelo cavaleiro Parsifal em sua busca pelo Graal.

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Parsifal illustration by Willy Pogany

Hillman garante que se pode integrar a vida como estória porque estas existem no inconsciente nosso como moldes para que articulemos os acontecimentos como experiências significativas. Elas funcionam para que nos coloquemos no interior de acontecimentos que, se não vistos desta forma, não teriam sentido psicológico. Assim, as estórias, os mitos, ocupariam um lugar de importância no sentido imaginativo da alma na busca pela compreensão da sua vida psicológica. Ou seja, entra em questão a busca pelo sentido da vida, onde, segundo essa vertente da psicologia, as forças imaginativas são fundamentais na desliteralização da consciência e na restauração da sua conexão com padrões de pensamento mítico e metafórico.

Não preciso comentar que essa vertente da psicologia trabalha muito com a questão das imagens e da imaginação. A questão não é uma fuga da realidade, mas a abertura às imagens como elas aparecem diante de nossa mente e com o que elas nos trazem. Parte basilar desse trabalho está na desconstrução de algumas fantasias que agem na nossa própria consciência, como a fantasia da total objetividade. Essa psicologia arquetípica trata de reconhecer e valorizar o fato de que há no homem um fator mitológico em certa medida irracional que fala de verdades profundas (isto é, ligadas ao inconsciente) através das figuras demonstradas nos mitos e nos sonhos. Religar-se aos mitos, às estórias e apresentá-las também aos mais novos seria, portanto, uma forma de fortalecer nosso elo com o mundo invisível que sempre nos acompanha. A contribuição desse ato deve resultar no trabalho interno de temas como o sentido da vida, as questões interiores, o mundo dos sonhos e a saúde da psique.

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REFERÊNCIAS

HILLMAN, Estudos de Psicologia Arquetípica. Tradução de Pedro Ratis e Silva. Rio de Janeiro: Achiamé, 1981.
JOHNSON, Robert A. He: A chave do entendimento da psicologia masculina. Tradução de Maria Helena de Oliveira Tricca. São Paulo: Editora Mercuryo, 1987.
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Confira aqui no Discutindo saúde no Brazilians o seu post mencionado no projeto saúde @brazilians. Obrigado pelo conteúdo.

Nossa! Obrigado! Muito boa a sua iniciativa!

Tema interessantíssimo meu amigo, mas gostaria de questionar a respeito desse trecho:

Por isso ele propõe re-estoriar o adulto.

A parte final de seu artigo deu uma base sobre o por que disso mas não me ficou claro de que forma podemos transcender essa natureza mais cética e enrijecida do homem adulto. Eu penso em mim mesmo como exemplo. Como poderia (tendo uma visão cética) contemplar qualquer estória mitológica ou mágica sem que isso permanecesse como algo fake? Como você me conhece, sabe que amo o tema e todas as variantes, estudo a fundo as possibilidades obscuras e complexas de nosso mundo, porém, hoje em dia o mais místico que posso alcançar é apenas aquele flerte com o passado (e com o futuro, mas, mais com o passado) em busca da sensação indefinida que causa ao tentar imaginar a vida num limiar da nossa existência, lá no vazio, na primeira centelha de consciência, quando primitivos flertávamos com as estrelas e as fogueiras. Acaba que o que me preenche (nesse quesito de "causos, histórias, lendas e contos") é a própria especulação de como se desenrolou o nosso nascimento aqui nesse lugar e talvez poder imaginar o que imaginavam os primeiros homens, é o mais perto que venho chegando disso tudo.

Então, quando ele fala de re-estoriar o adulto, acredito que o primeiro passo quando já se há uma familiaridade com os mitos e a importância deles (já que é muito difícil para nós, modernos, tratá-los como coisas sagradas), seria acessar a própria mitologia. Re-estoriar é estoriar a própria trajetória, é entender que esses padrões são repetidos em nossa existência. Nós, com nossas desgraças e nossas graças somos o eco de alguma estrutura mitológica. Pensa nos momentos pelos quais passou, os mais fortes, nas sensações que eles causaram. Talvez seja difícil sentir isso dentro dos mitos universais que hoje lemos como estorinhas curiosas, mas quando pensamos na nossa vida, estão lá os elementos: os demônios, os anjos, as fraquezas, o temor do desconhecido. Então, no elo profundo que há entre mito e existência, podemos nos reconhecer como habitantes NO mito, pois o mito é organizado desde a mesma fonte que organiza nossa experiência, que seria a arquetípica. Vivemos NA imagem, organizamos nosso próprio mundo segundo as imagens que nos surgem, e elas também devem seguir esse padrão original arquetípico. Os mitos nunca param de ocorrer, eles são constantes por serem a própria experiência humana e é nesse ponto que devemos chegar: nós somos parte do mito.
Pode ser um elo difícil de explicar e de entender, mas é por essa via mesmo que o assunto vai. Por ex., num nível profundo, quando Parsifal, em sua pura inocência, derrota o invencível Cavaleiro Vermelho e dele ganha a armadura e o cavalo e seu escudeiro diz que tire os trapos que vestia e recebera de sua mãe para colocar a nova armadura, isso se relaciona com o acesso da masculinidade, do desafio da iniciação adulta e da resistência em abandonar os agregados maternos da infância. Esse tipo de codificação mitológica proposta por Jung é semelhante à organização da linguagem onírica de alguns casos. Os motivos se repetem, pois provêm de elementos basilares da nossa psique. O que não notamos é que o nosso próprio modo pessoal de interpretar nossa trajetória de vida também segue, de alguma forma, esse caminho. O mito sempre vive, basta que olhemos bem para ver como e onde ele agita as águas do rio.

Acabei de ler um trecho no mesmo livro do Hillman que pode ajudar:
"Epistrophé é uma idéia neoplatônica; sua melhor elaboração encontra-se nos Elementos de Teologia de Proclus, especialmente a proposição 29. Em resumo, esta idéia considera que todo fenômeno tem um modelo arquetípico para o qual voltar, reverter, retornar. Todos os acontecimentos que se passam no domínio da alma, isto é, todos os eventos e comportamentos psicológicos, têm uma similaridade, uma correspondência, uma semelhança com um padrão arquetípico. Nossas vidas seguem as figuras mitológicas: agimos, pensamos, sentimos, apenas na medida em que isso é permitido por padrões estabelecidos no mundo das imagens. Nossas vidas psicológicas mimetizam os mitos. Como Proclus nota, fenômenos secundários (nossas experiências pessoais) podem reverter a um contexto primário ou primordial, onde têm ressonância e ao qual pertencem. A tarefa da psicologia arquetípica, e da sua terapia, é descobrir o padrão arquetípico das formas de comportamento. Pressupõe-se sempre que "alguma coisa se encaixa em algum lugar": todas as formas da psicopatologia têm seu substrato mítico e pertencem ou têm guarida nos mitos."-p.65, 66

Parabéns, seu post foi selecionado pelo projeto Brazilian Power, cuja meta é incentivar a criação de mais conteúdo de qualidade, conectando a comunidade brasileira e melhorando as recompensas no Steemit. Obrigado!

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Saudações Flavius. Minha linha é cognitiva. Me ative mais á esses estudos dentro da universidade. Não tive tanto contato com psicanálise. Lembro-me de um autor da psicanálise que fala sobre a individuação. Esse mito do santo graal eu não conhecia. Só vi sobre isso no filme do Mont Phyton: em busca do cálice sagrado, hehehe. Lerei sobre esse conto aqui.
Obrigado

Salve, Juliano!
Fico contente de achar mais alguém da área aqui!
Eu sigo pela linha junguiana, agora me aprofundando na pós-junguiana da psicologia arquetípica. Sei que ela fica bem distante da cognitiva, mas às vezes surge algo de interessante para somar! Sobre a individuação, o autor principal é o próprio Carl G. Jung, que popularizou o termo. Inclusive, meu TCC foi sobre a relação entre a individuação em termos junguianos e a modernidade.
Espero ver textos seus!
E, ah, eu adoro o filme do Monty Python! Esse, inclusive, para mim é o melhor deles.

Tem um filme clássico muito bom sobre as lendas de Artur: Excalibur

Contempla uma boa parte das lendas arturianas inclusive a busca pelo Graal. Muito bom.

Se quiser outra perspectiva da uma lida nas crônicas do rei Arthur (posso ter errado o nome, mas o primeiro livro chama o rei do inverno) de Bernard cornwall. Ele pega as lendas e costura com os fatos arqueológicos e historicos.

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