A roda gira
Hoje o post não é sobre nenhum problema social específico. Ou talvez seja. Na verdade é o registro de algo que ocorreu comigo, e que me deixou extremamente comovida e emocionada. Há um ano abri o prontuário de uma família que estava passando por uma situação X, e que por isso precisaria da intervenção e do acompanhamento da assistência social especializada. Ao longo do ano atendi a genitora, uma mulher que sempre me passou uma sensação de força e firmeza muito grande. Mas nos atendimentos, de portas fechadas, ela se deixava desabar.
Muitas foram as vezes em que fechei a porta já sabendo o que iria acontecer... ela se desmancharia em lágrimas na minha frente, e me olharia com aquele desespero que me deixaria igualmente desesperada, mas diante do qual eu teria que me conter, pois aquele era o momento dela, não o meu.
Após alguns meses de acompanhamento, percebi que não havia muito o que ser feito em termos de encaminhamentos, orientações e visitas domiciliares. Havíamos construído juntas uma estratégia de superação da situação X, e estava tudo encaminhado. Mas ela ainda não estava segura, percebi que não havia firmeza no seu olhar. Quanto mais eu procurava algo de substancial nos seus olhos, mais comprido se tornava aquele hiato que me fazia sentir como se estivesse em plena queda livre com ela.
E estendi a minha mão.
Quando ela aparecia sem termos agendado, eu já sabia. Estava em maus dias. E não havia muito que eu pudesse fazer além de ouvir seu lamento e choro. Colocava minhas mãos sobre as suas e permanecia em silêncio, enquanto ela tateava e vagava nos significados e motivos de suas tão doloridas experiências de vida. Eu via tudo aquilo, toda aquela dor, e não chorava por fora, mas por dentro sim. E assim o ano passou, eu dando minhas mãos para ela, enquanto ela mergulhava dentro e fora de si, se afogando no meios daquelas lágrimas todas.
Nos últimos meses comecei a viver o meu próprio inferno pessoal, período que coincidiu com um sumiço por parte dela. E hoje, depois de uns 4 meses, ela reapareceu. Estava diferente. Definitivamente, estava diferente. E eu também.
A roda girou. A mulher forte que eu sabia que ela realmente era, estava ali, diante de mim, enfim. Postura ereta, olhar soberano, riso tímido mas presente, entre vários outros sinais de que ela vivia um outro momento de sua caminhada. Me contou tudo que havia acontecido e disse que havia passado só para me agradecer por tudo que eu fiz por ela. Pois me procurou tantas vezes para dividir as tristezas, que se sentiu na obrigação de ir partilhar também as alegrias. Muita coisa boa acontecendo, muita coisa boa por acontecer. Segurei suas mãos e apertei forte, honrada de poder conhecer o seu verdadeiro Eu, depois de tantos meses suprimido pelas dores da vida.
Ela segurou minhas mãos de volta, ainda mais forte do que eu havia feito, olhou nos meus olhos e disse que eu era linda, linda, linda (nem sou, mas entendi a situação). Ela só conseguia sorrir e dizer que eu era muito linda, e me deu um abraço tão, mas tão apertado, que precisei me segurar muito para não desmoronar ali mesmo.
Estou passando pela situação Y, que é a mais difícil da minha vida até o momento. Sou completamente sozinha (sem amigos antigos, nem parente algum, tenho uma criança, mas é uma criança) nesta cidade. Não tenho ninguém para conversar, praticamente. Ninguém para desabafar. Ninguém para ajudar a passar o tempo. Ninguém para me abraçar quando eu acho que vou explodir e implodir com tanta pressão e vazio ao mesmo tempo.
Mas hoje eu ganhei um abraço, e foi um dos mais gostosos da minha vida.
Hoje, se não fosse essa mulher ter me estendido suas mãos fortes e ofertado seus braços firmes, eu estaria a um passo atrás do que estou agora. A roda gira, meus amigos. A roda gira, e quando um gira, todos giramos juntos.
Por vezes é complicado estar na parte baixa desta grande roda que é a vida, mas é justamente essa superação que nos afaga o ego quando estamos na parte de cima, e é justamente nestes momentos que encontramos quem mais se precisa, os amigos. Esta é a beleza da vida.
Obrigado por compartilhar essa bela experiência e força.
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