9# Crônica Social - Nem tudo que reluz é ouro
Todos os dias acordava na escuridão. Não porque fosse muito cedo, mas porque era cega. Morava sozinha e a solidão a levou a treinar com destreza todas as atividades necessárias a uma rotina ativa e produtiva. Pegava o ônibus intermunicipal e ia para a capital, onde passava o dia no trabalho. Saía do trabalho e ia para o curso de contação de histórias, pois já que era professora, queria saber chamar a atenção de seus alunos. Aprender a entoar a voz, fazer suspense, fazê-los rir e manusear suas emoções ao ponto de deixá-los plenamente atentos às suas aulas. Eram alguns dos recursos que lhes eram possíveis usar, e queria tirar deles o maior proveito possível.
A motivação para viver uma vida ativa e produtiva vinha deles. Seus pequenos alunos, com os quais tanto se importava e para os quais se dedicava de forma irrestrita. Ouvir suas vozes doces, cheias de dúvidas e desabafos, e levar um pouco de luz até eles, era a maior alegria de sua vida.
Quando acabava o curso de contação de histórias já era noite, mas tudo bem para ela, dia ou noite nada tinham de diferente. De forma que caminhava na penumbra como quem caminha no mais iluminado dos dias. E de lá seguia de transporte coletivo para o lado oposto da cidade, onde ficava a universidade na qual estudava.
Saía da universidade tarde da noite, todos os dias, atravessando a cidade e viajando de volta ao seu município, onde sua humilde residência se localizava. Numa rua escura e sem asfalto. Mas ela não se importava, não necessitava de iluminação pública, pois a cada passo a sua própria luz a guiava. Um brilho intenso que vinha diretamente do seu coração, iluminando o seu caminho e de todos que dela se aproximavam.
Faz mais de 10 anos que a conheci e também a última vez que a vi. Sua luz era tanta que ainda hoje clareia muita coisa para mim: “eu nunca vi ouro, mas quando eu peguei ouro na minha mão, eu não senti o brilho que eu sinto quando alguém solta um sorriso perto de mim”.
Esse post é de uma série de crônicas que decidi escrever, baseadas em fatos da vida real, os quais foram extraídos da minha experiência e do meu cotidiano com famílias em situação de vulnerabilidade social e violações de direitos.