6# Crônica Social - O cárcere da alma
Eram cinco da manhã quando levantou da cama sem ter dormido.
Evitou olhar para o lado onde seu marido estava deitado. O rosto quente e latejante a incomodava, então passou a mão com delicadeza e sentiu doer um pouco. Fechou a porta do banheiro porque não podia trancar, e sem hesitar encarou o espelho, de cabeça erguida. A lágrima imediatamente escorreu por cima do hematoma que já havia começado a se formar. Não sentiu raiva dele e também não sentiu pena de si mesma. Mas sentiu tristeza porque dessa vez não teria como esconder o machucado das crianças.
Enquanto passava o café lembrou da noite anterior, quando ele esperou as crianças dormirem, e perguntou a ela o que havia feito durante o dia, e que trajeto havia percorrido. Quando ela começou a responder, a chamou de mentirosa e jogou o celular no seu rosto. O que aconteceu depois era melhor não relembrar.
O telefone tocou, interrompendo o constrangimento que sentia com as próprias lembranças. Apertou o viva-voz porque não podia falar no privado com ninguém. Era da assistência social, falando que ela precisava comparecer para assinar o benefício da cesta básica. Seus olhos sobressaltaram, seu coração acelerou, suas mãos ficaram geladas e um frio percorreu sua espinha. Mas se recompôs no mesmo segundo e confirmou que iria comparecer no horário marcado.
Quando ela chegou já estava tudo pronto, o plano estava dando certo e se tornava cada vez mais real. Sentiu-se insegura num primeiro momento pois não tinha certeza de que era a coisa certa a se fazer, mas em seguida sentiu que algo a impulsionava a seguir em frente.
Sentiu algo diferente, uma sensação que não podia explicar.
Se sentiu estranha quando ela e os filhos desligaram seu celulares e entraram no carro. No caminho percebeu quando a filha tirou o chip do aparelho e o jogou pela janela, sorrindo e recostando a cabeça no ombro do irmão. Nunca mais seriam rastreados 24 horas por dia. Nunca mais teriam sua privacidade cerceada. Nunca mais seriam ameaçados, castigados, trancados e explorados.
A casa de acolhimento para mulheres vítimas de violência doméstica não era lá o melhor lugar para se morar, mas era temporário. E, afinal, nunca mais viram a mãe vir dar boa noite com o semblante assustado, e nem preparar o café da manhã tentando esconder as marcas dos frequentes pesadelos que tinha, mesmo que não tivesse dormido.
Eram cinco da manhã quando levantou da cama após ter dormido a noite inteira. Olhou para o lado vazio da cama, fechou os olhos e inspirou lenta e profundamente. Deixou a porta do banheiro aberta porque quis, e sem hesitar encarou o espelho, de cabeça erguida. A lágrima imediatamente escorreu por cima do seu rosto limpo e corado. Não sentia raiva dele e também não sentia pena de si mesma. Ela sentia algo diferente, uma sensação que não podia explicar.
Esse post é de uma série de crônicas que decidi escrever, baseadas em fatos da vida real, os quais foram extraídos do meu cotidiano e da minha experiência com famílias em situação de vulnerabilidade social e violações de direitos.