A Gaia Ciência
Uma coisa é necessária – ‘Dar estilo’ a seu caráter – uma arte grande e rara!
É praticada por quem avista tudo o que sua natureza tem de forças e
fraquezas e o ajusta a um plano artístico, até que cada uma delas aparece
como arte e razão, e também a fraqueza delicia o olhar. Aqui foi
acrescentada uma grande massa de segunda natureza, ali foi
removido um bocado de primeira natureza: – ambas as vezes com demorado
exercício e cotidiano lavor. Aqui o feio que não podia ser retirado é
escondido, ali é reinterpretado como sublime. [...] Por fim, quando a obra
está consumada, torna-se evidente como foi a coação de um só gosto que
predominou e deu forma, nas coisas pequenas como nas grandes: se o gosto
era bom ou ruim não é algo tão importante como se pensa – basta que tenha
sido um só gosto! – Serão as naturezas fortes, sequiosas de domínio, que
fruirão sua melhor alegria numa tal coação, num tal constrangimento e
consumação debaixo de sua própria lei; a paixão de seu veemente querer se
alivia ao contemplar toda natureza estilizada, toda natureza vencida e
serviçal [...] – Inversamente, são os caracteres fracos, nada senhores de si,
que odeiam o constrangimento do estilo: eles sentem que, se lhes fosse
imposta essa maldita coação, debaixo dela viriam a ser vulgares: – eles se
tornam escravos quando servem, eles odeiam servir. Tais espíritos – podem
vir a ser espíritos de primeira ordem – visam sempre a configurar ou
interpretar a si mesmos e ao seu ambiente como natureza livre – [...] e fazem
bem ao fazê-lo, pois somente assim fazem bem a si próprios! Pois uma coisa
é necessária: que o homem atinja a sua satisfação consigo – seja mediante
esta ou aquela criação e arte: apenas então é tolerável olhar para o ser
humano! Quem consigo está insatisfeito, acha-se continuamente disposto a
se vingar por isso: nós, os outros, seremos as suas vítimas, ainda que tão-só
por termos de suportar sua feia visão. Pois a visão do que é feio nos torna
maus e sombrios.