Batman v Superman, Guerra Civil e o Princípio da Precaução
Texto originalmente publicado por mim em www.gedbioetica.com.br
Áreas do conhecimento de cunho filosófico dificilmente despertam o interesse da grande maioria das pessoas. Adquirir tal conhecimento nos ajuda a desenvolver o raciocínio lógico, a autonomia do espírito crítico e a melhorar a qualidade de nossas decisões.
Com a Bioética o cenário não é diferente, porém para superar esse obstáculo vamos estudar utilizando o auxílio da cultura pop. Analisaremos por meio de uma outra perspectiva e subiremos mais um degrau na escala do conhecimento crítico.
E para começar, vamos explorar os conceitos por trás das implicações éticas dos acontecimentos dos filmes Batman v Superman e Capitão América: Guerral Civil.
Preocupado com a dimensão que os avanços da ciência, principalmente no âmbito da biotecnologia estavam adquirindo, o pesquisador Van Rensselaer Potter propôs um novo ramo do conhecimento que ajudasse as pessoas a pensar nas possíveis implicações do progresso cientifico sobre a vida, sejam elas positivas ou negativas.
A partir de então nascia a Bioética, servindo de mediadora entre a cultura científica e a humanística. “Nem tudo que é cientificamente possível é eticamente aceitável” [1].
Nesse sentido, a bioética é uma ciência que objetiva indicar os limites e as finalidades da intervenção do homem sobre a vida e denunciar os riscos de suas possíveis aplicações.
Um dos princípios que regem a bioética é o Princípio da Precaução, o qual guia as atividades humanas e incorpora parte de outros conceitos como justiça, equidade, respeito e prevenção.
A definição desse princípio foi dada na Conferência RIO 92, com os seguintes dizeres:
“O Princípio da Precaução é a garantia contra os riscos potenciais que, de acordo com o estado atual do conhecimento, não podem ser ainda identificados. Este Princípio afirma que a ausência da certeza científica formal, a existência de um risco de um dano sério ou irreversível requer a implementação de medidas que possam prever este dano. ” [2]
Tendo essa breve explicação em mente, vamos primeiramente analisar os acontecimentos de Batman v Superman.
Após os acontecimentos de Man of Steel, principalmente os efeitos causados pela batalha destrutiva entre Superman e General Zod em Metrópolis, Superman tornou-se uma figura controversa.
Durante o filme famosos analistas políticos, cientistas e jornalistas aparecem para reforçar o impacto causado em todo o mundo a cada aparição do herói.
O mesmo acontece em outras esferas da sociedade. Políticos estão preocupados e iniciam vários debates sobre o tema, inclusive convocando o herói ao Capitólio dos Estados Unidos, para prestar esclarecimentos e determinar a validade de suas ações.
Senadora Finch: O mundo ficou tão envolvido com o que Superman pode fazer, que ninguém se perguntou o que ele deveria fazer.
No meio de toda essa superexposição, Clark Kent começa a ter dúvidas sobre seu verdadeiro papel no mundo.
Para Batman e Lex Luthor, Superman representa uma possível ameaça e cada um deles busca meios para detê-lo caso seja necessário.
Ambos, à sua maneira, obedecem ao Princípio da Precaução, pois no estado atual de conhecimento, os riscos potenciais que Superman oferece ainda não são totalmente compreendidos.
Alfred: Você vai pra Guerra?
Bruce Wayne: Aquele desgraçado trouxe a Guerra até nós dois anos atrás. Meu Deus, Alfred, conte os mortos… milhares de pessoas. O que vem depois? Milhões? Ele tem o poder para dizimar toda a raça humana, e se existe a mais remota chance de que ele é nosso inimigo, vamos tomar isso com absoluta certeza… e nós teremos que matá-lo.
Alfred: Mas ele não é nosso inimigo!
Bruce Wayne: Ainda não. Vinte anos em Gotham, Alfred; nós vimos quanto as promessas valem. Quantos caras bons ainda restam? Quantos ainda continuam assim?
Em Capitão América: Guerra Civil, os Vingadores são pressionados por causa dos efeitos colaterais causados em suas ações e se veem numa encruzilhada: ou passam a ser supervisionados pela ONU, numa ação conjunta de diversos países, ou encerram suas atividades heroicas.
Secretário de Estado Thunderbolt Ross: os Vingadores atuaram com poderes ilimitados e sem supervisão nos últimos anos e esse é um cenário que os governos ao redor do mundo não podem mais tolerar.
O filme propõe analisar a existência de super-humanos e as consequências de suas ações. Nada de lutar contra uma invasão alienígena, ter a cidade destruída e sair para comer sanduíches.
A trama aborda a percepção de civis, líderes mundiais e dos próprios heróis sobre suas atividades, responsabilidades e ideais defendidos.
O ser humano tende a aquilo que não conhece. E desconhecer o limite dos heróis mais poderosos da terra requer a implementação de medidas que possam prever os potenciais riscos que o grupo oferece.
No nosso cotidiano, quando não se aplica o Princípio da Precaução, as perguntas que normalmente são feitas são do tipo:
Quão seguro é o produto ou o processo? Qual o nível de risco aceitável? Quanto de contaminação pode o homem ou o ecossistema assimilar sem mostrar efeito adverso óbvio?
Entretanto, quando é utilizada a ciência precaucionária, as perguntas mudam de natureza e são do tipo:
Quanta contaminação pode ser evitada enquanto se mantém certos valores? Quais são as alternativas para a atividade? Qual a necessidade e a pertinência da atividade?
Por outro lado, utilizando de nosso contexto cinematográfico e aplicando o princípio abordado, podemos fazer perguntas como:
O mundo precisa do Superman ou dos Vingadores? Existem ou existiam alternativas? Não é a própria existência desses heróis que coloca a Terra em risco?
E você, em que outras situações acredita ser possível aplicar o Princípio da Precaução?
Referências
JUNQUEIRA, C. R. Bioética: conceito, fundamentação e princípios. Universidade Aberta Do SUS, 2010. Disponível em: <http://www.unasus.unifesp.br/biblioteca_virtual/esf/1/modulo_bioetica/Aula01.pdf>. Acesso em: 24 Julho 2016.
GOLDIM, J. R. O Princípio da Precaução. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2002. Disponível em: <https://www.ufrgs.br/bioetica/precau.htm>. Acesso em: 25 Julho 2016.
Muito bom esse texto!!!
Nunca tinha ouvido falar da Bioética, mas os exemplos que voc~e deu esclareceram muito o principio.
Eu penso que ele se aplica de certa forma no treinamento de um numero novo de circo. Muitas vezes um numero pode ser sensacional ao se pensar nele, mas se houvesse um questionamento dentro desse principio acredito que muitos acidentes teriam sido evitados. Tomo como exemplo o falecimento de uma grande artista chamada Linda Farkas, que morreu de intoxicação respiratória após testar um novo figurino flamejante que não funcionou corretamente.
Gratidão por compartilhar!
Obrigado pelo feedback! É muito bem pensado seu exemplo. Seguindo o Princípio da Precaução o figurino não deveria ser usado, a não ser que se soubesse completamente dos riscos e fosse possível evitá-los, o que aparentemente não foi o caso. Irei continuar postando textos, resenhas e conceitos de Bioética. Se lhe interessar, o convido a me seguir e ficar ligado nos próximos textos!
Este seu texto é excelente.