O Corvo, de Edgar Allan Poe
Galera, eu sou escritor de prosa, que são as narrativas, os romances, as novelas... mas eu sempre apreciei a poesia. Embora também ache mais difícil de escrever e portanto raramente me atrevo a escrever uma poesia.
Mas eu busquei ter um contato com esse estilo literário, até para obter uma versatilidade maior como profissional de letras. E esse primeiro contato aconteceu quando eu traduzi o poema O Corvo, de Edgar Allan Poe. Mas diferentemente de Machado de Assis (que também traduziu este poema), eu busquei manter a métrica e a rima originais, para dar aos lusófonos uma idéia o mais precisa possível de como é o poema original. E vocês podem ler a minha tradução completa à seguir...
O Corvo
de Edgar Allan Poe
Certa vez, na calada noite de vento,
quando eu meditava, lasso e sonolento
Envolto em reflexões curiosas, de um vasto saber esquecido pelos mortais
Distraí-me, já quase inconsciente,
Por um repentino bater insistente
Como quem, mesmo gentilmente,
Bate na porta, trazendo assuntos banais.
"Apenas uma visita," eu sussurrei, "alguém que se preocupa demais."
"Só isso e nada mais."
Ah, espere, agora me lembro,
Foi numa sombria noite de dezembro
E cada brasa morrendo,
Faiscava ao chão seus espíritos finais.
Ansioso eu esperava a aurora
Em vão eu buscava a melhora.
Os livros não alentam agora,
A dor por Lenore dói demais,
Pela rara donzela a quem os anjos chamam Lenore, ademais
Este nome não chamo mais.
E os tão tristes sussurros ao léu
Soando de cada sedoso e roxo véu
Me tocam – enchem-me de terrores fantásticos, não lembro iguais.
Para meu coração se acalmar
Repito em sussurros sem parar:
"É só um visitante à porta a me amolar
Com seus assuntos banais.
Um visitante tardio querendo entrar e se aquecer um pouco mais
É só isso e nada mais."
Logo minha alma foi ficando forte,
E sem hesitar ou temer minha sorte
"Senhor," disse eu, "ou madame, em verdade peço a vós que me perdoais
É que eu estava pestanejando,
E vós chegastes tão suave tocando
E tão gentilmente batendo,
E em vossa batida tão pouco soais
Que eu duvidei ter ouvido a vós." - Abri a porta sem dizeres mais.
Escuridão lá fora e nada mais.
Com tal escuridão me encarando,
Fiquei algum tempo esperando
Temendo, duvidando, sonhando sonhos que assombrariam imortais
Mas o silêncio só deu arrepio,
E a quietude não deu um pio.
A única palavra dita ao frio
Foi "Lenore?..." e não mais.
Isso eu sussurrei, e a escuridão ecoou "Lenore!" Quem mais?
Apenas isso e nada mais.
De volta, então, para dentro
E minha alma queimava sem alento.
E então novamente outra batida soou alto, um pouco mais.
E eu disse, então: "Certamente,
É algo confundindo minha mente,
Deixa eu checar a janela e, de repente,
Desvendar esses mistérios triviais,
Deixa meu coração se acalmar ao ver que os sons são normais.
É só o vento e nada mais.
No instante em que abri a tramela,
Com saracoteio e agitação veio ela,
Uma ave entrou e pousou imponente como em santos tempos primais
Ela não fez nenhuma reverência,
Apenas entrou cheia de impaciência.
Como duque ou dama, que impertinência,
Pousou acima da porta, sem mais.
Pousou em cima da porta, e no busto de Pallas, além do mais.
Empoleirada, pousada, e nada mais.
Este pássaro ébano seduzia
Minha triste fantasia quando ria
Do severo decoro do semblante que eu usava, sem modos formais.
"Ainda que tenhais a crista rasgada,"
Disse eu,"não temais vossa ação ousada.
Sinistro e antigo corvo, que veio do nada,
nesta orla noturna em que vagais
Qual o teu nobre nome, nesta noite plutoniana de que cais?"
Disse o corvo: "Nunca Mais."
Com esta ave ordinária surpreso
Por seu discurso soar tão coeso,
Ainda que, como resposta, pouco significava para os racionais,
Tenho que admitir, moroso,
Que homem algum já fora venturoso
De receber a visita de um penoso
que diz palavras, sejam elas quais,
Em um busto acima da porta, ou mesmo daquelas feras bestiais,
Com o nome "Nunca Mais."
Mas o corvo, no busto de Pallas,
Falava apenas essas palavras
É que sua alma derrama nelas seus sentimentos mais viscerais.
Nada mais ele falou –
Nenhuma pluma ele vibrou.
Então meu coração murmurou:
"Amigos já foram embora em outros vendavais.
De manhã ele voará para longe, como se foram meus sonhos, iguais.
E disse o corvo: "Nunca Mais."
Assustado com a quietude quebrada
Por tal resposta tão bem falada
Eu disse, "sem dúvida, além desta resposta o corvo não sabe mais
Pego por algum dono infeliz,
Que nada mais positivo diz,
Suas canções viraram tal cicatriz,
De ouvir só este lamento, não outro mais
Os lamentos de sua esperança apenas soam a melancolia de nada mais
Que 'Nunca, nunca mais.' "
Mas o corvo ainda seduzia
A minha imaginação quando ria.
Lhe ofereci uma almofada macia para pousar suas plumas infernais
E mergulhando profundamente no veludo,
Eu que pouso a mente e me iludo.
Sonhos terríveis sobre este bicho felpudo
Criatura de eras primordiais
Que pássaro sombrio, lúgubre, e esquelético; profano entre os animais
E sempre grasna "Nunca Mais."
Me sentei envolvido na suposição,
Sem fazer nenhuma questão
E os olhos da ave brilhavam, queimando o meu peito, cada vez mais.
E coisas sombrias do corvo fui pensando,
Com minha cabeça repousando
No forro veludo da almofada suspirando
que as luzes do quarto acendiam joviais
Mas tal forro violeta também contemplava o brilho das luzes radiais
Ele também exprime, ah, nunca mais.
Então, pensativo, o ar fica mais denso,
Perfumado por um oculto incenso
Embalado por raros serafins cujos passos no chão tilintavam surreais.
"Miserável," chorei, "Teu Deus te enviou –
Das hostes angélicas aqui pousou.
Trazendo alívio e ópio voou
Para as memórias de Lenore, saudades abissais.
Beba, engula esse ópio e esqueça essa Lenore perdida, dolores penais.
E disse o Corvo "Nunca Mais."
"Profeta!" disse eu, "ave maligna!
Profeta ainda que sejas indigna!
Seja lá de onde viestes, que sejas de Lúcifer, ou cá jogada por ventos descomunais
Desolada, ainda que valorosa,
Nesta terra erma e horrorosa,
Nesta casa pesada de aflição penosa,
Eu imploro que me diga, em suas palavras cabais
Há bálsamo em Gileade? Um bálsamo que cure saudade? Por quem não existe mais?"
E disse o Corvo: "Nunca Mais."
"Profeta!" disse eu, "coisa funesta!
Profeta ainda se pássaro ou besta!
Por este céu, que se curva acima de nós, pelo Deus que até vós adorais,
Diga a esta alma carregada de aflição,
Se no distante Éden, então,
Esta alma abraçará ainda a bela como o verão;
Lenore, chamam os anjos, ademais,
Abraçará a quem os anjos chamam Lenore, uma rara donzela de olhos radiais?"
Disse o corvo "Nunca mais."
"Seja estas palavras o sinal de despedida",
Gritei levantando,"ave perdida."
"Volte para a tempestade que vos trouxe, para a noite plutoniana em que vagais.
Não deixes aqui uma pluma negra que seja
Como prova da blasfêmia que vossa alma despeja.
Deixes intacta minha solidão que lateja.
Saias da minha porta, e do busto em que pousais.
Retira este bico que rasga meu coração, retira-te da minha porta e não volte jamais!"
E disse o corvo "Nunca Mais."
E o corvo, nunca mais voando,
Vai ficando e vai ficando,
No pálido busto de Pallas, me olha diferente dos outros animais
Parece do demônio o seu olhar.
Um demônio parado a sonhar.
À luz do candeeiro a cintilar,
Sua sombra dança no chão, ela fica imóvel nos umbrais.
É minha alma esta sombra que tremula por sofrer demais;
E não terá alívio "Nunca Mais."
Não se esqueçam de comentar, eu gostarei de saber o que vocês acharam.